Nas
páginas finais do seu livro, Cándido Pozo expõe um importante tema em relação à
devoção mariana, também presente na Redemptoris
Mater, e que possui notáveis implicações ecumênicas: a mediação de Maria,
que em sua essência está inserida na Mediação única do Cristo e nos leva a Ele.16
(Disponibilizo aqui o capítulo na íntegra: Mariologia na Redemptoris Mater; conclusão do livro "Maria, nueva Eva" de Cándido Pozo)
c) Mediação materna de Maria
Maria,
assunta em corpo e alma aos céus, está espiritualmente presente na Igreja graças
a sua permanente intercessão diante de seu filho ressuscitado, isto é, por sua
mediação intercessora. Na Igreja, Maria é invocada com os títulos de Advogada,
Auxiliadora, Socorro e também Mediadora. O conhecido texto de São Paulo que
afirma que há “somente um Mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo, também
homem” (1 Tim 2,5), não é obscurecido ao manter uma mediação de Maria11,
“que é apoiada na mediação de Jesus, depende totalmente dela e é de onde provém
todo seu poder.” A mediação de Maria é uma mediação participada da de Cristo e
que, por isso, nada tira nem soma “à dignidade e eficácia de Cristo, único
mediador”. Neste contexto, o Papa recorda a fórmula de São Bernardo “Mediadora
ao Mediador”, porque põe em relevo a subordinação da mediação de Maria à de
Cristo.
Esta
subordinação implica também uma união às intenções de Cristo. A mediação de
Maria, “dotada certamente de uma índole ‘subordinada’, participa da
universalidade da mediação do Redentor, único Mediador’.
É
bem sabido que depois da definição da Imaculada difundiu-se fortemente na
Igreja a certeza de que a verdade mariana que em um futuro próximo se definiria
na Igreja como dogma seria a Mediação universal. Desta certeza surgiu todo um
movimento a favor desta definição, a frente do qual se situava o cardeal D.
Mercier. Neste tempo e neste ambiente surgem obras tão apreciáveis e clássicas
como a famosa monografia de J. Bittremieux (De
mediatione universali Beatae Mariae Virginis quoad gratias). De fato, em um
determinado momento este impulso perde força e se vê desbancado por outro que
se adianta e leva à definição dogmática de outra verdade mariana: a Assunção
corporal de Maria (1 de novembro de 1950).
Talvez
seja mais interessante ressaltar o que provavelmente impediu o primeiro destes
dois movimentos de chegar à sua meta: a dificuldade em determinar claramente o
que se pretendia dizer ao afirmar que Maria é mediadora universal de todas as
Graças; ou, com outras palavras, a dificuldade em demonstrar a especificidade
de Maria em sua intercessão, comparada com a dos santos.
De
fato, tem-se a impressão de que, ainda que quando se diz que Maria é mediadora
universal de todas as graças parece se afirmar muito d’Ela, na realidade, com
esta expressão não se distingue suficientemente sua mediação da dos santos. Não
se esqueça que o grande tema do Apocalipse é o da liturgia celeste. No centro
dessa liturgia está o “Cordeiro, como que imolado” (Ap 5,6)12.
Trata-se de Cristo que, tendo subido ao céu, apresenta ao Pai o seu sangue (cf.
Heb 9,12.24-26), isto é, que, ao longo da história, oferecendo ao Pai sua
entrega e seu sacrifício pretéritos, “está sempre vivo para interceder” por nós
(Heb 7,25). Então, nesta liturgia celeste participam todos os bem-aventurados e
nela se unem a todas as intenções pelas quais Cristo morreu e pelas quais
agora, ressuscitado e sentado à direita do Pai, intercede (cf. Rom 8,34). Neste
sentido, na colação de todas as graças que Deus concede intervêm todos os
bem-aventurados, isto é, todos intercedem por todas as graças que são
concedidas. Se levarmos em conta essa realidade, a singularidade da mediação de
Maria não fica suficientemente evidenciada quando se diz que ela é “universal”.
Tal adjetivo não parece ser bastante específico, já que todos os
bem-aventurados intervêm na colação de todas as graças e, a partir deste ponto
de vista, também a mediação dos santos pode ser qualificada como “universal”.
João
Paulo II indica uma pista teológica que pode ser sumamente fecunda para
mantermos com nitidez a singularidade da mediação de Maria, comparada com a dos
santos:
“Efetivamente, a mediação de Maria está
intimamente unida a sua maternidade e possui um caráter especificamente materno
que a distingue daquela das demais criaturas que, de modo diverso e sempre
subordinado, participam da mediação única de Cristo”.
Maria é Mãe de Cristo
e mãe dos discípulos. Tem uma relação materna tanto com respeito a Cristo como
com respeito aos discípulos. Por isso, em sua intercessão, Maria “se coloca ‘em
meio’, ou seja, faz-se mediadora não como uma pessoa estranha, mas em seu papel
de mãe, consciente de que como tal pode – melhor, ‘tem direito de’ – fazer
presentes ao Filho as necessidades dos homens”. Deste modo, dentro das
mediações subordinadas à de Cristo, o único Mediador, demonstra-se uma
característica específica da mediação intercessora de Maria, que se dá n’Ela e
somente n’Ela, isto é, uma característica que não se dá na mediação de nenhum
dos santos: é uma mediação materna não somente porque Maria é Mãe de Cristo
diante do qual intercede (“Mediadora ao Mediador”), mas também porque é Mãe
daqueles por cujos problemas intercede (“Mãe dos viventes”).
d)
Maria nos leva a Cristo
O
recurso à mediação de Maria não nos distancia de Cristo, mas nos leva a Ele.
Ela nos conduz ao próprio Cristo como “Mediadora ao Mediador”. Este fato deve
traduzir-se em nossa atitude de oração: o recurso à intercessão de Maria deve
terminar em um contato espiritual com o Mediador e por Ele chegar ao Pai.
A
articulação que de Maria conduz a Jesus é própria de toda devoção mariana. Uma
vez mais, João Paulo II insiste em que “pode-se afirmar que Maria segue
repetindo a todos as mesmas palavras que disse em Caná na Galiléia: ‘Fazei o
que Ele vos disser’”19. Em toda forma autêntica e correta de devoção
mariana, Maria nos remete a Jesus como sua razão de ser e como fim ao qual Ela,
com sua solicitude materna, quer nos levar. “Mostrai-nos Jesus”, pedimos na
mais popular oração a Maria depois da “Ave-Maria”, na “Salve Rainha”.
O
próprio fato de se consagrar a Maria não pode se esquecer deste sentido de “Mediadora
ao Mediador” que tem a figura da Virgem possui. Assim diz expressamente o Papa
a propósito da consagração de escravidão mariana segundo a doutrina de São Luis
Maria Grignon de Montfort. João Paulo II, especialista nessa espiritualidade
por sua vivência pessoal, afirma que, na escravidão mariana, São Luis Maria
Grignon de Montfort “propunha aos cristãos a consagração a Cristo pelas mãos de
Maria, como meio eficaz para vivermos fielmente o compromisso do batismo”.
Estas palavras são de suma importância. Lembram-nos que a consagração primária
é a batismal; que toda consagração batismal é um compromisso de assumir umas
determinadas atitudes espirituais para viver as exigências do batismo até as
últimas conseqüências; e que as consagrações a Maria tomam-na como caminho até
Cristo e, neste sentido, têm Cristo como fim.
[16] Cf. POZO, C., “María, nueva Eva.”, BAC, Madrid 2005,
p. 423-427.
[17] 1 Tim 2,5 afirma que há um mediador
único, isto é, o mesmo e inevitável para todos, mas não trata de se esta
mediação é ou não compatível com a existência de mediadores subordinados.
[18] “Eu vi no meio do trono, dos quatro
Animais e no meio dos Anciãos um Cordeiro de pé, como que imolado. Tinha ele
sete chifres e sete olhos {que são os sete Espíritos de Deus, enviados por toda
a terra}.” (Ap 5:6)
[19] O texto citado é
de Jo 2,5. Este pensamento foi expresso outras vezes por João Paulo II; basta
ser citado aqui sua Alocución en el acto
mariano nacional celebrado en la plaza Eduardo Ibarra, de Zaragoza 4: AAS
75 (1983) 309-310.
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