quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

A Mariologia na Redemptoris Mater de João Paulo II - parte 1

Acabei de ler hoje um livro muito bacana: María, nueva Eva de Cándido Pozo1. De teologia dogmática, tratando sobre Maria, os dogmas marianos e o culto a Maria, o livro não é de maneira alguma de fácil leitura, mas me prendeu desde o princípio e fez crescer em mim o amor e a devoção a Nossa Mãe Santíssima.

O autor, Cándido Pozo, falecido em 2011, foi um sacerdote jesuíta, escritor e destacado teólogo da Igreja Católica. Era formado em Filosofia e Teologia e obteve seu doutorado nesta segunda disciplina pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Foi autor de inúmeros livros, estudos e artigos sobre Teologia, com especialidade em Mariologia, Teologia Fundamental e Escatologia. Era, de verdade, um homem de Deus que, para Sua honra e glória, muito contribuiu para a Teologia da Igreja. 

Em Maria, nueva Eva, o padre Pozo nos oferece um verdadeiro presente. Faz desde um estudo da motivação da Mariologia como ciência em si, até uma apresentação da fundamentação Bíblica e da Tradição dos dogmas Marianos, passando por uma exposição bastante pormenorizada das questões ecumênicas relacionadas ao culto mariano e as diferenças entre Católicos e Protestantes no que concerne a Maria. 

Mas o que eu quero chamar atenção aqui é para o último capítulo do livro, chamado “A Mariologia de João Paulo II em sua Encíclica ‘Redemptoris Mater’”. De modo geral, podemos dizer que esse último capítulo faz uma bonita conclusão dos capítulos anteriores e encerra de maneira perfeita a obra. A cada parágrafo que lia, pensava comigo: “tenho que postar isso!”. Por isso, resolvi, atrevidamente, postar todo o capítulo aqui. Aos poucos, é claro, de modo que esse tesouro possa ser disponibilizado para outras pessoas. Assim, pessoas que, como eu, talvez tenham um pouco de dificuldade em ler e compreender as longas Encíclicas Papais, possam aproveitar para renovar a ciência e a fé em torna do tema mariano. 

Assim, como muita alegria, posto aqui a primeira parte, em uma tradução livre feita por mim, da Conclusão de Maria, nueva Eva, de C. Pozo, que é uma introdução à teologia do Papa João Paulo II constante na Redemptoris Mater.2 

Beato João Paulo II - o Papa mariano


Em 25 de março de 1987, solenidade da Anunciação a Maria, João Paulo II, assinava a Encíclica Redemptoris Mater. Parece claro que o povo de Deus esperava do Papa como o daquela época um grande documento mariano. Trata-se de um Papa que levou a seu escudo papal não somente o anagrama de Maria, mas também as palavras Totus tuus, que sintetizam o núcleo fundamental de sua consagração pessoal de escravidão mariana, feita muito antes de seu pontificado e renovada diante da imagem da Virgem de Czestochowa em sua primeira viagem como Papa à Polônia; de um Papa que em suas viagens apostólicas não omite nunca a visita ao santuário mariano mais representativo de cada nação, para a partir dele fomentar com seu exemplo e sua palavra a piedade mariana de cada povo. Neste sentido, pode-se dizer que João Paulo II, ainda que dentro de seu magistério tão rico e abundante sobre a Virgem, estava em “dívida” com a Igreja.3  

Em todo caso, é lógico que não pudesse escrever seu grande documento sobre Maria senão depois de ter falado de Deus, isto é, do magistério trinitário. Isso explica sua grande trilogia prévia de encíclicas, na qual cada uma delas está dedicada a uma das três pessoas trinitárias: Redemptor hominis (4 de março de 1979) trata do Filho; Dives in misericórdia (30 de novembro de 1980), do Pai; Dominum et vivificantem (18 de maio de 1986), do Espírito Santo. Mas é significativo que em seguida João Paulo II tenha querido falar à Igreja sobre a Mãe do Senhor. 

O enfoque de sua Encíclica “Sobre a Bem-Aventurada Virgem Maria na vida da Igreja peregrina” estava condicionado pela primeira de suas encíclicas, que, precisamente por ser a primeira, deve ser considerada como sua Encíclica programática. Se a visão de Cristo que João Paulo II havia ressaltado nela era a de “Redentor do homem”, é normal que agora o ângulo de acesso à figura de Maria fosse o de “Mãe do Redentor” (Redemptoris Mater), isto é, a relação de Maria com a obra redentora de Cristo, “sua presença ativa e exemplar na vida da Igreja”.

Em função de este modo de apresentar, à Encíclica está subjacente o tema mais antigo da fé da Igreja sobre Maria, o tema de Maria “nova Eva”, que se ressalta ainda mais na mesma Encíclica com o recurso ao título equivalente de “Mãe dos viventes”, tomado de Santo Epifânio. Lembre-se, de fato, que em Gen 3, 204 se explica e justifica, pelo fato de ser “mãe de todos os viventes”, o nome de Eva imposto à primeira mulher. A primeira apresentação de Maria como “nova Eva” aparece, pela primeira vez, como já expomos, em São Justino pouco depois do ano 130. Muito pouco depois, o tema, substancialmente sem alterações, reaparece em Santo Irineu e Tertuliano.

A ideia comum nesta apresentação da teologia do século II pode resumir-se nestes termos: a primeira Eva dialoga com o diabo, desobedece a Deus e com isso traz sobre a humanidade morte e ruína; Maria, segunda Eva, dialoga com o anjo, obedece a Deus e dá a luz ao Salvador e com Ele à salvação. De modo paralelo a como a primeira Eva foi colaboradora de Adão na obra da ruína, a segunda, isto é, Maria, colabora com o novo Adão, Cristo, na obra salvadora.

As afirmações de São Justino, Santo Irineu e Tertuliano se produzem em um arco temporal muito curto e com uma surpreendente sintonia temática. Como não é fácil pensar em dependências diretas sucessivas neste ponto, inclusive pela dispersão geográfica na qual aparecem os testemunhos, tudo faz supor que o tema seria anterior a São Justino. Se aceita-se que este tema elaborado já existe antes do ano 150, pode-se dizer que se está falando da própria pregação apostólica. É inquestionável que a pregação apostólica apresentava Cristo como o “novo Adão”; isso ficou registrado no próprio Novo Testamento (cf. 1 Cor 15,455, além do paralelismo de oposição que se faz em Rom 5, 18-196). Os testemunhos convergentes dos Padres do século II fariam pensar que essa mesma pregação apostólica via, junto a Ele, a figura feminina de uma “nova Eva”.




1- POZO, C., María, nueva Eva. (Madrid, 2005)
2- Cf. POZO, C., “María, nueva Eva.”, BAC, Madrid 2005, p. 403-405.
3- Posteriormente, ao largo dos anos 1995-1997, o Papa dedicou 70 belíssimas catequeses nas audiências das quartas-feiras à figura da Santíssima Virgem, as quais constituem um impressionante monumento da figura de Maria.
4- “Adão pôs à sua mulher o nome de Eva, porque ela era a mãe de todos os viventes.”(Gen 3:20)
5- “Como está escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito alma vivente {Gn 2,7}; o segundo Adão é espírito vivificante.” (1 Cor 15:45)
6- “Portanto, como pelo pecado de um só a condenação se estendeu a todos os homens, assim por um único ato de justiça recebem todos os homens a justificação que dá a vida.
Assim como pela desobediência de um só homem foram todos constituídos pecadores, assim pela obediência de um só todos se tornarão justos.” (Rom 5:18-19)


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